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O Espelho

Atualizado: 20 de jun. de 2021

Este texto foi selecionado para integrar uma edição comemorativa da Revista da Fundação Cultural de Curitiba sobre as Oficinas de Análise e Criação Literária, representando o ano de 2012. Embora eu tenha iniciado a produção desse texto em 2010 numa oficina sobre Mito e Literatura com a Mônica Berger, finalizei-o apenas em 2012 numa oficina sobre Escritas de Si (autoficção) com o Otto Leopoldo Winck.

O ESPELHO


O espelho me espelha e me revela coisas que eu não quero ver. Não sou essa imagem rechonchuda de olhos vermelhos e nariz grande, não, eu sou linda e maravilhosa e sem essa boca pequena. O espelho é um espelho do que não sou e não quero nunca ser, uma imagem aprisionada e triste refletindo gestos de alguém livre e feliz. O espelho é mentiroso e me mostra um reflexo que não sou eu, como poderia ser eu se não me reconheço nele? O espelho mentiroso é um espelho do não eu, vejo nele uma face estranha e desconhecida, viro o rosto e fujo dele.

Dentro desse espelho há um medo. O meu medo. Medo de olhar e não me reconhecer ou, pior, medo de me reconhecer. Medo de ver aquilo que me dizem sobre mim, mas que eu não quero acreditar que seja verdade. Medo de ver as sombras escondidas em meus olhos, que luto diariamente para camuflar. Medo de ver as rugas me dizendo que já não sou menina pra brincar de viver. Medo de ver falhas caráter nas minhas falhas de expressão, medo de ver os defeitos que minha pele calejada pela dor acumulou. Medo. Sempre o medo.

Dentro desse espelho há sempre um medo. O meu medo. Medo burro, comprido e solitário, medo angustiante, medo fatal. Medo de que, vendo minha face sombreada, cheia de rugas, com falhas e defeitos acabe descobrindo que essa sou eu mesma nua e crua. Sem disfarces e sem desculpas, eu sozinha, nua e crua, louca de pedra. O espelho me mostra olhos vermelhos. Os olhos vermelhos que ele disse que ficavam bem em mim, mas eu não concordo, não concordo que a tristeza fique bem em mim, eu quero sorrir, eu quero ser feliz, porque estou chorando? Louca de pedra. A face que o espelho espelha sou eu, por dentro e por fora, sem disfarces e sem desculpas.

Dentro desse espelho há um medo. O meu medo. Medo de tudo e mais um pouco, medo da vida, medo da morte, medo da alegria e medo da dor. Dentro desse espelho há um medo terrível de ser e de não ser, medo terrível que me impede de seguir em frente, medo terrível, mas vou acabar com ele, sim, vou acabar com ele, louca de pedra de olhos vermelhos, fecho o punho e quebro o espelho.

Dentro desse espelho havia um medo.


Francine Cruz


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