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Manifestação

Este conto foi selecionado no XIII Concurso Literário de Presidente Prudente Ruth Campos e integra a Antologia do concurso.

Este texto tem um valor especial para mim por dois motivos: nele consegui deixar registrado um episódio que não pode ser esquecido que foi o dia 29 de abril de 2015, no qual os professores do Estado do Paraná foram brutalmente reprimidos através da violência policial por ordem do Governo do Estado enquanto lutavam pela manutenção de seus direitos e também porque pude homenagear minha professora do primário, professora Evanize, que faleceu precocemente e deixou muita saudade.


MANIFESTAÇÃO


Era minha primeira vez numa manifestação. Nunca tinha ido, nem como civil, nem como militar, pois ainda sou cadete. Dessa vez o assunto era sério, todo o efetivo foi convocado: policiais militares da RONE, ROTAM, polícia florestal, cadetes, o pessoal do administrativo e, pasmem, inclusive a banda da polícia que geralmente só anima eventos sociais.

A ordem do comando era clara: conter os manifestantes (professores, na grande maioria do sexo feminino, diga-se de passagem). Não sei por que os consideravam tão perigosos, mas a ordem era “descer o sarrafo sem dó nem piedade” e não deixar de jeito nenhum que eles impedissem a votação do Projeto de Lei que o governador queria implantar com urgência. Dentro da Assembleia Legislativa a determinação era votar a qualquer custo.

Após ficar 10 horas em pé guardando a Assembleia Legislativa e vendo aquela multidão de senhoras que bem poderiam ser minha mãe, meu corpo tremia involuntariamente de raiva e de cansaço. Já havia passado por um sol escaldante, uma garoa grossa e agora o vento gelado. Estava exausto, com fome, sede e frio. Atrás de nós, a tropa de choque, na frente, uma barreira com cercas de ferro.

Quando a confusão começou, e nem sei como começou, entre bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha e jatos d’água, me apavorei e sai correndo dando cacetadas em quem passasse pela minha frente. Quando a vi caída, com a cabeça sangrando, chorei e abracei-a com carinho. Era a tia Evanize, minha professora da pré-escola e meu primeiro amor.

Tia Evanize fazia cócegas na minha barriga com suas unhas compridas pintadas de vermelho, mas agora o vermelho era seu sangue em minhas mãos. Foi para o hospital com traumatismo craniano e morreu horas depois. Foi minha última vez numa manifestação.


Francine Cruz

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